REGULAMENTO
DISCIPLINAR DA PM/BM, RESPOSTA AS PROPOSIÇÕES DAS ASSOCIAÇÕES MILITARES
RESPOSTAS ÀS
PROPOSIÇÕES DA UESPMA
Art. 8º, § 2º
§ 2º - Compete aos Chefes, Diretores e Comandantes fiscalizar os
subordinados que apresentarem sinais exteriores de riqueza, incompatíveis com a
remuneração do respectivo cargo, fazendo-os comprovar a origem de seus bens,
mediante instauração de processo administrativo, observada a legislação
específica.
A redação do texto em tela revela a
preocupação da Administração Pública Militar com o princípio da moralidade e
não ofende a Constituição Federal, visto que existe um parâmetro objetivo que é
a exteriorização de riqueza incompatível com a remuneração do cargo. A título
de exemplo: a princípio, não se pode admitir que um Oficial da Polícia Militar
ou do Corpo de Bombeiros Militar (Capitão) que receba aproximadamente 5.500,00
(cinco mil e quinhentos) reais, possa comprar, à vista, uma Ferrari, no valor
de 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil) reais.
Acrescente-se, que o dia-a-dia tem
revelado, que a declaração de bens, por si só, não impede a burla ao princípio da
moralidade, pois quem recebe, exige, solicita ou aceita vantagem indevida não o
declara formalmente para a Administração Pública.
Para que a Administração possa cumprir
o conjunto de atividades que lhe são atribuídas, no intuito de satisfazer o
interesse público, o ordenamento lhe confere algumas prerrogativas, que são
denominadas de poderes administrativos. Segundo Meirelles (2004, p. 114, grifo
do autor):
Os poderes administrativos nascem com a
Administração e se apresentam diversificados segundo as exigências do serviço
público, o interesse da coletividade e os objetivos a que se dirigem. Dentro
dessa diversidade, são classificados, consoante a liberdade da Administração
para a prática de seus atos, em poder
vinculado e poder discricionário;
segundo visem ao ordenamento da Administração ou à punição dos que a ela se
vinculam, em poder hierárquico e poder disciplinar; diante de sua
finalidade normativa, em poder
regulamentar; e, tendo em vista seus objetivos de contenção dos direitos
individuais, em poder de polícia.
Os poderes administrativos são
inerentes à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, guardando-se a
devida proporção, bem como os limites de suas competências, podendo ser usados,
isolada ou cumulativamente, na busca do bem comum.
Portanto, o poder hierárquico visa
ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no
âmbito interno dessa ou daquela Instituição ou Corporação, quer seja entre
órgãos da Administração Pública Direta ou de cada entidade da Administração
Pública Indireta. É através da hierarquia que se impõe ao subordinado a estrita
e pronta obediência às ordens e instruções legais de seus superiores
hierárquicos, definindo-se, dessa forma, a responsabilidade de cada um.
Por fim, o art 8º, § 2º do regulamento
encontra solo fértil, também, em um dos efeitos específicos da hierarquia que é
a fiscalização das atividades desempenhadas por agentes de plano hierárquico
inferior para a verificação de sua conduta não somente em relação às normas
legais e regulamentares, como ainda no que disser respeito às diretrizes
fixadas por agentes superiores, de modo a resguardar a probidade administrativa
de seus agentes.
Art. 18, § 5º
§ 5º. A aplicação das sanções disciplinares previstas neste regulamento
independe do resultado de eventual ação penal.
Acatando a sugestão da UESPMA, a Comissão do Regulamento Disciplinar
resolveu alterar a redação do § 5º, do art. 18, no intuito de aclarar a
interpretação do referido texto. Segue nova redação:
“As esferas administrativa, penal e cível são independentes entre si,
tendo em vista seu caráter distintivo, não precisando a Administração Pública
Militar aguardar o desfecho na esfera penal ou cível, para promover a apuração
e a responsabilidade na esfera administrativa”.
Art. 19, § 1º, item 16
16 - frequentar ou fazer parte de sindicatos, associações profissionais
com caráter de sindicato, ou de associações cujos estatutos não estejam de
conformidade com a lei;
Acatando a sugestão da UESPMA, a Comissão do Regulamento Disciplinar
resolveu alterar a redação do item 16, do § 1º, do art. 19, no intuito de
adequar o referido texto à Constituição Federal. Segue nova redação:
“frequentar ou fazer parte de
sindicatos”
Art. 19, § 1º, item 18
18 - autorizar, promover ou participar de petições ou manifestações de
caráter reivindicatório, de cunho
político-partidário, religioso, de crítica ou de apoio a ato de superior, para
tratar de assuntos de natureza militar, ressalvados os de natureza técnica ou
científica havidos em razão do exercício da função militar;
Em nenhum momento o item 18, § 1º, do art. 19, objetiva cercear o
direito de opinião e a liberdade de expressão dos profissionais de segurança
pública, mas tão somente resguardar os assuntos de natureza militar, para os
quais se faz necessária a autorização da autoridade competente, face aos
princípios da hierarquia e disciplina.
Art. 19, § 2º, item 1
1 - apresentar comunicação disciplinar ou representação sem fundamento
ou interpor recurso disciplinar sem observar as prescrições regulamentares.
Acatando a sugestão da UESPMA, a Comissão do Regulamento Disciplinar
resolveu alterar a redação do item 1, do § 2º, do art. 19, no intuito de
adequar o referido texto à Constituição Federal. Segue nova redação:
“apresentar comunicação disciplinar ou representação sem fundamento ou
interpor recurso disciplinar redigido de forma desrespeitosa ou com comentários
ou insinuações ofensivas”.
Art. 19, § 2º, item 12
12 - autorizar, promover ou executar manobras perigosas com viaturas,
aeronaves, embarcações ou animais;
Deixar de acatar a sugestão da UESPMA, pois não se faz necessário
especificar novas causas de justificação da conduta do militar que autoriza,
promove ou executa manobras perigosas com viaturas, embarcações ou animais, uma
vez que se encontram descritas no art. 49, do Regulamento, conforme se observa in verbis:
Art. 49 - Não haverá aplicação de sanção disciplinar quando for
reconhecida qualquer das seguintes causas de justificação:
I - motivo de força maior ou caso fortuito, plenamente comprovados;
II – em preservação da ordem pública ou do interesse coletivo;
III - legítima defesa própria ou de outrem;
IV - obediência à ordem superior, desde que a ordem recebida não seja
manifestamente ilegal;
V - uso de força para compelir o subordinado a cumprir rigorosamente o
seu dever, no caso de perigo, necessidade urgente, calamidade pública ou
manutenção da ordem e da disciplina.
Art. 19, § 3º, item 18
18 - discutir ou provocar discussão, por qualquer veículo de
comunicação, sobre assuntos políticos, militares ou policiais, excetuando-se os
de natureza exclusivamente técnica, quando devidamente autorizado;
Em nenhum momento o item 18, § 3º, do art. 19, objetiva cercear o
direito de opinião e a liberdade de expressão dos profissionais de segurança
pública, mas tão somente resguardar os assuntos de natureza militar, para os
quais se faz necessária a autorização da autoridade competente, face aos
princípios da hierarquia e disciplina.
No entanto, fazendo uma análise mais acurada do inciso supra, a Comissão
do Regulamento Disciplinar resolveu ex
oficio alterar a redação do item 18, § 3º, do art. 19, no intuito de
adequar o referido texto à Constituição Federal. Segue nova redação:
“discutir ou provocar discussão, por
qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos político-partidários, militares
ou policiais, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, quando
devidamente autorizado”.
Capítulo VI, art. 21, III e IV, seção
IV e seção V
Art. 21- Segundo a classificação
resultante do julgamento da transgressão, as sanções disciplinares a que estão
sujeitos os militares do Estado, em ordem de gravidade crescente,
independentemente do posto, graduação ou função que ocupem, são:
I - advertência;
II - repreensão;
III - detenção;
IV - prisão;
V - reforma administrativa
disciplinar;
VI - demissão;
O ordenamento jurídico confere prerrogativas à Administração, que são
denominadas de poderes administrativos, para que ela possa cumprir as
atividades que lhe são atribuídas. Como regra, a doutrina classifica os poderes
administrativos de acordo com o interesse da coletividade, as exigências do
serviço público e os objetivos a que se dirigem, podendo ser: poder vinculado
ou discricionário, segundo a liberdade da Administração; poder hierárquico ou
disciplinar, consoante visem ao ordenamento da Administração ou à punição
administrativa; poder regulamentar, conforme sua finalidade normativa; e em
poder de polícia, levando-se em conta os objetivos de contenção dos direitos
individuais.
O legislador constituinte originário de 1988 foi enfático ao asseverar
que os militares terão sua liberdade de locomoção cerceada nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei,
independentemente, de se encontrarem em flagrante delito ou por ordem de
autoridade judiciária competente, não cabendo, inclusive, habeas corpus nos casos de punições disciplinares regulares,
conforme inteligência do inciso LXI, do art. 5º, § 2º, do art. 142 e inciso
LXVIII, do art. 5º, todos da Constituição Cidadã de 1988, in verbis:
“ninguém será preso
senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos
casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos
em lei”.
“não caberá habeas corpus em
relação a punições disciplinares militares”.
“conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçada de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
(grifo nosso).
Deflui-se da conjugação dos artigos e inciso supra que a Administração
Pública Militar tem o poder-dever de aplicar sanções disciplinares. Porém, o
que a Administração não pode e nem deve é deixar de assegurar os princípios
constitucionais da ampla defesa, contraditório, devido processo legal,
publicidade, dentre outros, insculpidos na Constituição Federal de 1988, não
encontrando solo fértil a premissa de que para se garantir o princípio da
hierarquia e da disciplina, seja necessário restringir-se o uso da ação
constitucional do habeas corpus,
mesmo quando decorrer de ilegalidade ou abuso de poder por parte da autoridade
militar.
Vale ressaltar que, com o advento da Constituição
de 1934[1],
a restrição ao cabimento do habeas corpus
imposta pelo Governo Provisório de 1930, fora elevada ao status constitucional, porém,
proibindo-se sua concessão somente nas transgressões disciplinares.
As Constituições brasileiras que se seguiram (1937[2],
1946[3]
e 1967[4])
previam igualmente o habeas corpus como
garantia constitucional, salvo, no que diz respeito, às transgressões
disciplinares. A Emenda Constitucional de 1969 não introduziu alterações
relevantes ao instituto. Nessa mesma esteira, embora já tivesse ocorrido a
queda do regime militar, a Constituição Política Cidadã de 1988, repetiu a
vedação do habeas corpus em se
tratando de punição disciplinar[5].
É próprio dos Estados Democráticos de Direito o acesso à tutela
jurisdicional, sem exclusão da apreciação do Poder Judiciário à lesão ou ameaça
do direito, na conformidade do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal,
sendo toda ou qualquer restrição incompatível com o regime democrático e com a
isonomia de tratamento dos cidadãos pelas autoridades públicas. Portanto, o militar não é obrigado, para recorrer ao Poder Judiciário,
a exaurir as vias administrativas, e muito menos tem o dever de comunicar,
previamente, a autoridade superior hierárquica.
Havendo restrição da liberdade de locomoção do militar, através de um
ato administrativo eivado de vícios que o contaminem de ilegalidades, é
admissível a ação constitucional do habeas
corpus, pois a proibição do art. 142, § 2º, da Constituição Federal deve
alcançar tão somente a análise da conveniência e da oportunidade, ou seja, o
mérito propriamente dito da punição disciplinar.
É de evidência solar que, em momento algum, a possibilidade do
administrador militar aplicar punições disciplinares, em especial àquelas que
cerceiam o direito de locomoção, sem autorização judicial, representa a perda,
por parte do militar, da sua condição de cidadão ou que seus direitos e
garantias fundamentais assegurados pela Carta Magna perderam a sua eficácia.
O § 2º, do art. 12, do Regulamento Disciplinar do Exército, Decreto nº
4.346/2002, instituiu um tipo de prisão disciplinar denominada de pronta
intervenção, conforme se observa in
verbis:
Art. 12. Todo militar que tiver conhecimento de fato contrário à
disciplina deverá participá-lo ao seu chefe imediato, por escrito.
[...]
§ 2º quando, para preservação da
disciplinar e do decoro da
Instituição, a ocorrência exigir pronta
intervenção, mesmo sem possuir ascendência funcional sobre o transgressor,
a autoridade militar de maior antiguidade que presenciar ou tiver conhecimento
do fato deverá tomar providências imediatas e enérgicas, inclusive prendê-lo
‘em nome da autoridade competente’, dando ciência a esta, pelo meio mais
rápido, da ocorrência e das providências em seu nome tomadas.
A Comissão do Regulamento Disciplinar entendeu que esse dispositivo,
tenta ressuscitar a famigerada prisão para averiguação, que fora, sabiamente,
abolida pelo constituinte originário de 1988[6].
Institui-se, dessa forma, nas Corporações Militares o processo administrativo
militar com contraditório postergado, retardado, a posteriori ou procrastinado.
Resulta claro, que a prisão de pronta intervenção encontra-se em um
verdadeiro descompasso com os princípios constitucionais do devido processo
legal, da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência, motivo
pelo qual a mesma não foi adotada pela Comissão do Regulamento Disciplinar.
A Comissão do Regulamento Disciplinar resolveu extirpar do novo
Regulamento Disciplinar que será adotado no Estado do Maranhão a prisão
(confinamento) por entender que a mesma não se adéqua ao Estado Democrático de
Direito e aos Direitos Humanos, pois a ultima
ratio no mundo jurídico é o Direito Penal e não o Direito Administrativo
Militar.
Dessume-se, pelos resultados obtidos nos questionários aplicados que a
tropa em sua esmagadora maioria (80%) é contra todo ou qualquer tipo de
desconto em seus vencimentos, tendo, inclusive, alguns militares se manifestado
no sentido de preferirem que seu direito de locomoção seja cerceado, a ver
descontado em seu contracheque algum valor pecuniário.
Por fim, a tropa, praticamente, foi uníssona em admitir a possibilidade
da conversão da punição disciplinar em serviço extraordinário, motivo
pelo qual a Comissão do Regulamento Disciplinar inovou ao possibilitar tal
conversão.
Com fulcro nas razões supra alinhadas, a Comissão do Regulamento
Disciplinar, deixou de acatar a sugestão da UESPMA, no sentido de suprimir os
incisos III e IV, do art. 21 e as seções IV e V, do Capítulo VI, permanecendo a
prisão e a detenção disciplinar, com a ressalva de que não serão cumpridas no
cárcere, mas no alojamento da respectiva Unidade.
Art. 28, II, e 29, II, “c” e “f”
Art. 28 - A reforma administrativa disciplinar poderá ser aplicada,
mediante processo regular:
II - à praça que se
tornar incompatível com a função militar, ou nociva à disciplina, e tenha sido
julgada passível de reforma.
Art. 29 - A demissão será aplicada ao militar do Estado na seguinte
forma:
II - à praça quando:
c) tiver procedido
incorretamente no desempenho do cargo, tido conduta irregular ou praticado ato
que afete a honra pessoal, o pundonor policial-militar ou o decoro da classe,
comprovado mediante processo regular;
f) considerada
desertora e capturada ou apresentada, tendo sido submetida a exame de saúde,
for julgada incapaz definitivamente para o serviço militar estadual.
Ressalte-se que a teoria da
tipicidade, estudada normalmente pela doutrina penalista, é considerada um
corolário e uma garantia da legalidade. Pode ser definida como a qualidade da
norma de estabelecer, previamente, a conduta taxativa a respeito do qual se
atribuirá uma determinada sanção, de maneira a permitir ao transgressor saber a
consequência de seu comportamento. Contudo, tal e qual na legalidade, a tipicidade penal não se equipara à tipicidade
das infrações administrativas.
A tipicidade penal possui base
constitucional no artigo 5º, XXXIX, da CF, in
verbis: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal”. Evidencia-se que a norma em tela nada menciona a respeito de
sanções administrativas disciplinares. A norma trata somente de crime (ilícito
penal) e pena (sanção penal).
A esse respeito, assevera Hely Lopes
Meirelles (2011) que não se aplica no poder disciplinar o princípio da pena
específica que domina inteiramente o Direito Criminal Comum, ao afirmar a
inexistência da infração penal sem prévia lei que a defina e opere. Segundo o
mestre e saudoso Hely, esse princípio não vigora em matéria disciplinar, motivo
pela qual o administrador – no seu prudente critério, tendo em vista os deveres
do infrator em relação ao serviço e verificando a falta – aplicará a sanção que
julgar cabível, oportuna e conveniente, dentre as que estiverem enumeradas em
lei ou regulamento para a generalidade das infrações administrativas.
Corroborando com esse mesmo
entendimento, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1969, p. 501) conclui que:
Não se pode aplicar sanção aos
particulares, em geral, sem previsão legal; ao contrário, independem dela as
impostas aos servidores públicos, sejam agentes públicos integrados na
organização administrativa, sejam particulares colaborando com a Administração
Pública, nos termos legais, como delegados ou prestacionistas de serviço.
Ainda sobre o assunto, Marcelo Caetano (1989, p. 395) assim pontifica:
Enquanto o ilícito criminal se traduz
na formulação exata e precisa da conduta proibida, originando tipos legais de
infração fora de cujo esquema não é admissível a punibilidade, é
disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a concepção
dos deveres funcionais válida para as circunstâncias concretas da sua posição e
atuação. Pode normalmente ser qualificada como infração disciplinar qualquer
conduta de um agente que caiba na definição legal: a infração disciplinar é
atípica. Só em certos casos a lei define as condições de existência da
infração, criando então um tipo.
Não obstante as referidas
considerações, não seria adequada a existência de absoluta atipicidade em
matéria administrativa em decorrência do novo modelo estatal inaugurado com a
Constituição de 1988. Admite-se, isso sim, um “abrandamento” do tipo
administrativo em razão da natureza do vínculo que une a Administração Pública
ao militar.
Portanto, verifica-se que, no regime
de sujeição especial, a tipicidade administrativa opera de modo peculiar. Nesse
regime, haverá um espaço maior para se estipularem os atos ilícitos, como bem
adverte Daniel Ferreira (2001, p. 96):
Conquanto no regime de sujeição geral
exige-se lei formal estipulando as infrações e cominando as respectivas
sanções, não nos parece que tamanho rigor seja de se exigir para a imposição de
sanções decorrentes de um peculiar regime de sujeição. Em ambos, entretanto,
sempre haveria a imprescindibilidade de lei para estipulação de infrações e das
respectivas sanções. No caso de haver um especial liame firmado com o
particular a obrigatoriedade reportar-se-ia apenas a uma lei autorizando
referida possibilidade, e não necessariamente a uma tipificação legal.
Nesse mesmo sentido, Heraldo Garcia
Vitta (2003) reconhece um abrandamento no tipo administrativo na relação
especial de sujeição, com a utilização de conceitos jurídicos indeterminados ou
cláusulas gerais, desde que observados alguns limites, a fim de adequar o
interesse público à liberdade dos indivíduos.
Conclui-se, portanto, que a
tipicidade da transgressão e da punição militar comporta legítima outorga
legislativa, explícita ou implícita, de certa parcela de discricionariedade,
manifestada por conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais, conferindo
amplos espaços à autoridade julgadora. Nessa medida, os regulamentos funcionam
como atos integradores das “normas em branco”, permitindo a autoridade
administrativa uma dinâmica própria (OSÓRIO, 2000).
Dessume-se, portanto, que no âmbito
da relação de especial sujeição estatal em que se encontram os militares,
admite-se uma tipicidade proibitiva mais ampla e genérica para a transgressão e
a punição disciplinar. O erro é tratado com maior rigor, os princípios são
aplicados de forma mitigada, sem que isso implique violação ao seu núcleo
básico.
No que diz respeito ao art. 29, II, “f”, fazendo uma análise mais
acurada, a Comissão do Regulamento Disciplinar, com base no § 1º, do art. 457,
CPPM, resolveu alterar a redação da referida alínea, no intuito de adequar o
referido texto às exigências legais. Segue nova redação:
“considerada desertora e capturada ou
apresentada, quando sem estabilidade, tendo sido submetida a exame de saúde,
for julgada incapaz definitivamente para o serviço militar estadual”.
Art. 25, § 4º
Art. 25 - A pedido do transgressor, o cumprimento da sanção de detenção
disciplinar poderá, a juízo devidamente motivado da autoridade que aplicou a
punição, ser convertido em prestação de serviço extraordinário, desde que não
implique prejuízo para a manutenção da hierarquia e da disciplina.
§ 4º - O pedido de conversão elide o pedido de reconsideração de ato.
A principal finalidade do § 4º, do
art. 25 é dar maior celeridade a apuração e aplicação das punições
disciplinares, sendo de fundamental importância no âmbito militar, face aos
princípios da hierarquia e disciplinar, a proximidade da transgressão
disciplinar e da punição administrativa a ser imposta.
Ressalte-se que o pedido de conversão
não é uma obrigação do militar transgressor, mas um ônus. Logo, o seu
adimplemento é facultativo, de modo que o seu não cumprimento não significa
atuação contrária ao direito. Porém, o militar deverá arcar com o prejuízo de
sua inação ou deixará de obter vantagem que adviria de sua atuação.
Logo, é de evidência solar que tal dispositivo não avilta em nenhum
momento direito de defesa do militar, motivo pelo qual a Comissão do
Regulamento Disciplinar entende que o dispositivo deve permanecer em sua
integralidade.
Seção I do Capítulo VIII
A sistematização topográfica de todo o Anteprojeto do Regulamento
Disciplinar do Militares Estaduais ainda vai passar por uma melhor
sistematização, tão logo termine essa fase de proposições, pois terão que ser
alterados, inevitavelmente, os números dos artigos, incisos, alíneas, dentre
outros.
Art. 63, III e 66
Art. 63 - As autoridades
competentes para aplicar sanção disciplinar quando tiverem conhecimento, por
via recursal ou de ofício, da possível existência de irregularidade ou
ilegalidade na aplicação da sanção imposta por elas ou pelas autoridades
subordinadas, podem praticar um dos seguintes atos:
I - retificação;
II - atenuação;
III - agravação;
IV – cancelamento;
V - anulação.
Art. 66 - Agravação é a
ampliação do número dos dias propostos para uma sanção disciplinar ou a
aplicação de sanção mais rigorosa, se assim o exigir o interesse da disciplina
e a ação educativa sobre o militar do Estado.
O regime disciplinar dos servidores públicos militares encerra a
previsão de tipos disciplinares abertos, sendo assim compreendidos aqueles que
não descrevem detalhadamente a conduta delitiva. No entanto, a inexistência de
tipos fechados e enumerados taxativamente, nos moldes do Direito Penal, não
significa e não constitui endosso para o arbítrio estatal na punição dos
militares.
Os tipos disciplinares considerados abertos devem ser classificados como
conceitos jurídicos indeterminados. Isso porque encerram conceitos vagos ou
imprecisos, mas que não são preenchidos ou solucionados por processos de
escolha pautados por oportunidade e conveniência. São preenchidos por processos
de interpretação e pelas circunstâncias do caso concreto.
Corroborando com o pensamento suso transcrito o Tribunal da Cidadania
(STJ) classificou, expressamente, os tipos disciplinares como conceitos jurídicos indeterminados,
conforme se pode observar no acórdão proferido no EDcl no MS n.º 12.689,
Terceira Seção, Relator Ministro Felix Fischer, DJE de 18/03/2008.
Ressalte-se que somente ocorrerá a agravação da punição disciplinar,
pela autoridade administrativa competente e dentro dos limites impostos no
regulamento, se assim o exigir o interesse da disciplina e a ação educativa
sobre o militar do Estado. Portanto, não se vislumbra no dispositivo em questão
nenhuma inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Capítulo XIII
As normas administrativas relativas ao processo disciplinar serão
devidamente regulamentadas através de instruções gerais, pelo Comandante Geral
da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, dentro das suas respectivas
atribuições, mediante Portaria, para a elaboração de Conselho de Justificação,
Conselho de Disciplina, Sindicância, Comunicação Disciplinar, Inquérito e
Investigação Preliminar, necessárias à interpretação, orientação e fiel
aplicação do disposto neste Regulamento.
Art. 74, parágrafo único
Art. 74 - O militar do Estado submetido a processo regular deverá,
quando houver possibilidade de prejuízo para a hierarquia, disciplina ou para a
apuração do fato, ser afastado das suas funções ou designado para o exercício
de outras funções, podendo ainda a autoridade instauradora proibir-lhe o uso do
uniforme e o porte de arma, como medida cautelar, enquanto perdurar o processo.
Parágrafo único - Não impede a
instauração de novo processo regular, caso surjam novos fatos ou evidências
posteriormente à conclusão dos trabalhos na instância administrativa nas
hipóteses de a absolvição, administrativa ou judicial, do militar do Estado em
razão de:
I - não haver prova da
existência do fato e ou da autoria;
II - falta de prova de
ter o acusado concorrido para a transgressão;
III - não existir prova suficiente para a condenação.
Deixar de acatar a sugestão da UESPMA, já que a Administração Pública é
regida pelo princípio da autotutela e da oficiosidade, podendo impulsionar, de offício, o que for de seu interesse,
encontrando restrições apenas quando for provada a inexistência do fato ou a
negativa de autoria, que obrigatoriamente irão refletir na Administração
Pública, bem como em razão da prescrição do fato objeto da apuração, já que o
direito de punir do Estado não mais subsiste.
O
Pretório Excelso já se manifestou a esse respeito, senão vejamos:
RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA -
SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA - AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO. Estando a sentença
penal absolutória calcada na insuficiência de provas para chegar-se à
condenação, não há como fazê-la repercutir no processo administrativo, isso a
teor do disposto nos artigos 1.525 do Código Civil, 65 e 66 do Código de
Processo Penal e 121 a 126 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990."
(MS 22.796/SP. Relator Min. MARCO AURÉLIO. Tribunal Pleno, julg. 15.10.1998, DJ
de 12.2.1999, p. 2). (grifo nosso).
Nesse mesmo sentido, o Tribunal da Cidadania já se posicionou, conforme
se observa na transcrição das Ementas, in
verbis:
DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DEMISSÃO.
REINTEGRAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS PENAL E
ADMINISTRATIVA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A demissão de servidor público – ato
de efeito concreto modificador de sua situação jurídica perante a Administração
– é o termo inicial para a contagem do prazo prescricional de 5 (cinco) anos
para postular sua reintegração ao cargo.
2. As esferas
criminal e administrativa são independentes, estando a Administração vinculada
apenas à decisão do Juízo criminal que negar a existência ou a autoria do
crime.
3. Agravo regimental improvido. (AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0141194-3 - T5 - QUINTA TURMA - DJe
15/03/2010). (grifo nosso).
[...] Contudo, a sentença criminal
de absolvição por ausência de provas suficientes de autoria, tal como no caso,
não vincula a esfera cível ou a administrativa, pois somente repercute nas
outras esferas quando a instância penal é taxativa em declarar que o réu não
foi o autor do crime ou que o fato não existiu. Isso é uma diferenciação
estabelecida pela doutrina e jurisprudência com lastro no art. 935 do CC/2002,
que corresponde ao art. 1.525 do CC/1916 e no art. 66 do CPP. Anote-se que a
revogada redação do inciso V do art. 386 do CPP englobava tanto a absolvição
por prova da não autoria quanto a por ausência de provas suficientes a tal, o
que foi modificado pela novel Lei n. 11.690/2008, que supriu a omissão
legislativa e expressamente distinguiu as hipóteses. Assim, consubstancia erro
de fato apto a rescindir o julgado a consideração do aresto rescindendo quanto
a julgar procedente o pedido de reintegração do servidor pela absolvição
criminal por inexistência de prova, quando o que realmente ocorreu foi sua
absolvição por ausência de provas suficientes à sua condenação. Precedentes
citados do STF: MS 22.796-SP, DJ 12/2/1999; MS 21.321-DF, DJ 18/9/1992; do STJ:
REsp 476.665-SP, DJ 20/6/2005; RMS 30.590-RS, DJe 7/6/2010; RMS 19.493-MA, DJ 23/10/2006,
e RMS 24.837-MG, DJe 9/8/2010. REsp
879.734-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 5/10/2010. (grifo
nosso).
Resta claro que a independência entre as instâncias penal e
administrativa não é absoluta, à medida que a Administração Pública submete-se
à decisão do Juízo Criminal que negar a existência ou a autoria do crime. É
lógico que não poderia ser diferente, sob pena de uma completa instabilidade
das relações jurídicas.
Ressalte-se que tal instabilidade não ocorre quando a absolvição se dá
por insuficiência de provas da autoria, já que as bases principio lógicas do
Direito Penal e do Direito Administrativo não se equivalem, assim como, o bem
juridicamente tutelado por cada Ramo são distintos.
Deve-se, portanto, observar que se a sentença exarada no âmbito penal
repercute no processo administrativo, a recíproca não é verdadeira. Porquanto a
decisão prolatada pela autoridade julgadora competente, na esfera
administrativa, conclui uma fase meramente administrativa, sempre passível de
ser apreciada pelo Estado-juiz.
Logo, preservando-se o princípio da incomunicabilidade das instâncias e
o princípio da presunção da veracidade dos atos administrativos, tem-se
que a sentença penal absolutória repercutirá obrigatoriamente no âmbito da
infração administrativa castrense somente quando a decisão judicial absolver o
réu por inexistência do fato ou negativa de autoria, não havendo que se falar
em repercussão quando a absolvição for por insuficiência de provas da autoria.
[1] A Constituição de 1934,
em seu art. 113, nº 23 preceituava que: “Dar-se-á o habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de
sofrer violência ou coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder.
Nas transgressões disciplinares, não cabe o habeas
corpus”. (CUNHA; SILVA, 1990, p. 45).
[2] A Constituição de 1937,
em seu art. 122, nº 16, com uma pequena mudança terminológica do termo
transgressão para punição disciplinar, afirmava que: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer
violência ou coação ilegal, na sua liberdade de ir e vir; salvo nos casos de
punição disciplinar”. (PORTO, 2001, p. 101).
[3] A garantia constitucional
do habeas corpus, na Constituição de 1946, era prevista no art. 141, § 23, que
dizia: “Dar-se-á habeas corpus sempre
que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões
disciplinares não cabe o habeas corpus”.
(BALEEIRO; LIMA SOBRINHO, p. 2001, p. 101).
[4] O art. 153, § 20, da
Constituição de 1967 asseverava que: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de
sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou
abuso de poder. Nas transgressões disciplinares não caberá habeas corpus”. (CAVALCANTI; BRITO; BALEEIRO, 2001, p. 163).
[5] O art. 142, § 2º, da
Constituição Federal de 1988, dispõe que: “Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”.
(ANGHER, 2011, p. 59).
[6] A prisão para averiguação constitui constrangimento ilegal ao
direito de locomoção do cidadão. Nesse sentido, vide RCHC 301383, do Distrito
Federal, Turma Criminal, Rel. Dirceu de Faria, julgamento em 07.04.1983, DJU
05.05.1983.
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